Há algumas semanas, um ~guia de estilo~ produzido pelo Banco Inter1 revoltou a internet + quem todos-os-dias bota uma roupa pra trabalhar. O motivo foi um conjunto de sugestões não tão bem-vindas assim (que me desculpe a personal stylist entrevistada pela Folha 😒) orientando suas funcionárias e funcionários sobre como se vestirem no trabalho. De cá, o que mais choca é o fato de uma empresa que se pretende inovadora divulgar um material com equívocos tão ultrapassados 😱 (ainda que atuais) e cruéis (ainda que sutis) sobre aparência e estilo. Ninguém está à salvo: por mais alaranjada que seja a marca da sua empresa, ela provavelmente irá te impedir de vestir cores coloridas 🤡.
O guia não é o primeiro do mercado 🤔. É bem comum que empresas produzam materiais no intuito de controlar a imagem percebida pelo público, através de seus funcionários 👀 – delegando mais essa responsabilidade, óbvio. No entanto, o que mais me incomoda 🙄 é que na maioria das vezes, os ~guias de estilo~ são vagos e superficiais, cheio de zonas cinzentas – justificativa perfeita pra que se exclua em função da raça, gênero e classe, sem que ninguém se responsabilize, ou mesmo reconheça a situação.
Reparem: através de eufemismos e duplos sentidos, tais regras deixam a gente numa condição de incerteza, que desestabiliza nossa confiança profissional e nos faz duvidar da própria discriminação que nos atinge. Afinal, “a culpa é do meu desempenho, da roupa que visto ou do fato de eu ser mulher”?
👉🏽 EVITE A TODO CUSTO
❌ Lingerie marcando ou aparecendo
❌ Cabelo sujo ou desarrumado
❌ Acessóios, calçados e bolsas velhos,
sujos ou estragados
Quantas pessoas pretas já foram constrangidas e demitidas2 por usarem penteados de inspiração afro ou se recusarem a alisar os fios crespos? Qual o referencial estético pra quem classifica cabelos entre “limpos e sujos”, “arrumados e desarrumados”? 🤯 O funcionário com a mochila que garimpou no brechó (limpa e em bom-estado) goza do mesmo prestígio de quem ostenta sua louis vuitton? Nosso estilo carrega a história de quem somos, de onde viemos e do caminho que percorremos. Naturalizar padrões estéticos como uma mera questão de “bom senso e gosto” é negar existências que divergem da régua eurocentrada.
❌ “Roupas muito justas” e “Decotes” são ~erros comuns no visual de trabalho~
A cartilha também tem gênero 💥. Afinal, instrusos são os corpos feminimos e inconformes que ousam disputar cargos (ainda que de forma ínfima, quase sempre ilusória) com o homem branco e cis, por quem e para quem foi criado o mundo do trabalho3.
Essas regras têm gênero porque mulheres e pessoas trans são o único alvo em que, de fato, se materializam 😫. Ou cês acham que o funcionário maromba ostentando músculos com a camisa justíssima + botões abertos já se preocupou alguma vez com assédio ou descrédito na função? 🤐 Uma cueca aparecendo no cós ou enrolada nas pernas jamais foi motivo pra carga mental e piadas constrangedoras, como o sutiã sob a blusa fina e a calcinha na calça social já foi pra mim e tantas outras mulheres 🤦🏽♀️.
Já entendemos que a roupa não é elemento neutro na sociedade ⚡. E, sendo o trabalho um espaço tão essencial à manutenção do mundo como é hoje, a aparência das empresas e instituições importa – e não serão poucos os esforços em mantê-la o mais homogênea (diga-se branca, masculina e cisgênera) possível 👀. Por isso, o fato de grupos minorizados ocuparmos esses espaços já é, por si, um ato de resistência. Mais significativo ainda é estar presente expressando a nossa essência, sem permitir que nos descaracterizem por meio de roupas, penteados, acessórios – ou uma cartilha-lembrete do quanto nosso corpo e presença ainda são incômodos, subversivos 🔥.
Os espaços públicos e de trabalho formal somente nos pertencerão quando tiverem, de fato, a nossa aparência 🙋🏽♀️🧔🏽♀️. Até lá (e pra que isso realmente aconteça), desejo que a gente negocie, questione, observe e subverta ~guias de estilo~ por aí – dentro das possibilidades e limites que apenas a gente pode conhecer.
✨ Que os espaços formais de trabalho sejam os NOSSOS espaços – que nem, igualzim nosso próprio armário, sabe? 🍃
#modaepolítica #roupadetrabalho #estilocomunica
1 Utilizei como suporte essa reportagem da Folha de São Paulo sobre o guia.
2 Em 2020, uma clínica médica foi obrigada a pagar indenização de 30 mil reais à recepcionista demitida por se recusar a tirar suas tranças. A funcionária foi avisada por uma consultora de imagem 😤 (contratada pela clínica) de que seu visual “não combinava” com a imagem do estabelecimento.
3 Sobre essa inerência do mundo do trabalho formal e a figura do homem médio (branco e cis) produzida pelo sistema capitalista, recomendo muito a leitura do capítulo 1 do livro “Mulher, roupa, trabalho – Como se veste a desigualdade de gênero”, escrito por Mayra Cotta e Thais Farage.